Rotina - Mulheres na Base


 

Em um ambiente de quase 800 militares, o Batalhão Brasileiro no Haiti, em 2012, contava com menos de dez mulheres na tropa. É natural a dúvida de como é a viver em uma base militar, sobretudo como é ser uma mulher em meio a todos esses colegas.

Para tentar esclarecer algumas dúvidas, o Assim é o Haiti conversou com a 2º Tenente Dentista Graziela Santana que contou um pouco sobre sua rotina e adaptação à base.

No geral as principais “queixas” não se diferem muito. Gira entorno, quase sempre, da questão da privacidade. Realmente é o que mais incomoda, pois a convivência em ambiente coletivo é extremamente propícia para desentendimentos, disputas e falta de harmonia. Quando se fala em um grupo de mulheres de origens diversas, e sem precedentes de convivência, que são colocadas para morarem juntas por sete meses, é muito normal a ocorrência de problemas rotineiros de convivência.

Feliz foram aqueles que utilizaram essas questões para trabalharem essas dificuldades inerentes a praticamente qualquer ser humano, e crescerem como pessoas.

 

AH: Há quanto tempo está no Exército?

Ten Graziela: Pouco mais de dois anos.

 

AH: Porque resolveu ir para o Haiti?

Ten Graziela:  Na verdade, eu não pensava que teria a oportunidade de ir; por isso não esperei. Recebi uma ligação de uma amiga - que estava em treinamento para ir - me convidando e eu disse que iria. Resolvi ir porque queria ajudar as pessoas e conhecer uma realidade diferente da minha.

 

AH: O que, de mais adverso, esperava encontrar por lá?

Ten Graziela: Esperava encontrar uma população esquecida, necessitada de muita ajuda humanitária.

 

AH: Na sua unidade de origem no Brasil quantos homens e quantas mulheres trabalham?

Ten Graziela: Quando saí do Brasil para o Haiti trabalhava em um Hospital do Exército em Porto Velho. Lá o efetivo de mulheres é grande. Na minha seção, por exemplo, éramos sete mulheres e quatro homens.

 

AH: Você imaginava que no Haiti seriam poucas mulheres a conviver na base?

Ten Graziela: Imaginava sim, porém foram menos mulheres do que imaginei.

 

AH: E como você relata a experiência quando questionada sobre como foi a missão?

 

Ten Graziela: Foi tranquila. Normalmente, no Brasil, também há ainda um número reduzido de mulheres nos quartéis. Em consequência, os militares do sexo masculino estão acostumados com este ambiente.

  

AH: Em algum momento você se sentiu constrangida?

Ten Graziela: No dia-a-dia a gente se sente igual a todo mundo. Eu me sentia constrangida quando havia reuniões onde se tratava a respeito de assédio ou abuso. Achava um pouco constrangedor, porque era o momento em que eu me sentia diferente, lembrava que era diferente.

AH: Se arrependeu de ter ido?

Ten Graziela: De jeito nenhum.


AH: O respeito que sentia por parte dos colegas você acha que era como homens ou como militares?

Ten Graziela: Como homens.
 

AH: Você acha válida a participação de mulheres ou acha que é uma missão que deveria ter somente homens?

Ten Graziela: Acho muito válida a presença das mulheres sim.

AH: Porque acha importante ter mulheres na missão?

Ten Graziela: Porque eu penso que a presença feminina deixa o ambiente menos tenso, mais ameno. Por exemplo, alguns homens gostam de falar de seus problemas para uma mulher ao invés de falar para o colega do mesmo sexo. A sensibilidade feminina neste quesito difere muito em relação aos homens.

 AH: Voltaria ao Haiti?

Ten Graziela: Sim.
 

AH: Qual a principal lembrança? Positiva e negativa!

Ten Graziela: Principal lembrança positiva é a superação das dificuldades de convivência entre pessoas com personalidades diferentes durante 7 meses; tanto homens quanto mulheres. A principal lembrança negativa é a privação de liberdade e privacidade.
 

AH: Que dica daria para as mulheres que pensam em se inscrever?

Ten Graziela: A dica é: vá com a mente tranquila, disposta a enfrentar problemas de convivência, sem pensar somente na recompensa em dinheiro que irá receber. Esteja preparada para enfrentar a privação de liberdade e privacidade. Aproveite o tempo todo a oportunidade de estar fazendo o que se gosta num país diferente com pessoas diferentes por um determinado período. Não conte os dias; viva cada instante. Pense positivo sempre. Não se deixe consumir pelas adversidades. Tudo é passageiro e tudo vale a pena.

 
Mulher em qualquer quartel é motivo de preocupação para Comandantes. Porém o preparo inicial e o profissionalismo da maioria das integrantes femininas do Exército minimiza bastante esse problema. No Haiti não foi diferente. Dividi o consultório com a Ten Graziela por sete meses e inevitavelmente nos falávamos sobre a convivência de maneira geral na base. Na área de saúde é comum a presença feminina. Existia uma exceção feita às atividades recreacionais ou coletivas, por assim dizer, que aconteciam geralmente aos sábados quando pequenos ou grandes grupos se reuniam para um churrasco ou coisa do tipo. Nesse momento   é notória a diferença de gênero, nos períodos e locais de trabalho como por exemplo em atendimento no consultório ou reuniões para definição de atividades e ações a serem seguidas, nos locais e horários para as refeições na rotina diária  era bem normal a indistinção de gênero entre os militares.



Considero bem positiva a experiência e a convivência, sobretudo a questão do confinamento de sete meses seria normal qualquer tipo de desavença ou desentendimento. Um dia ou outro é natural que um dos colegas não acorde bem ou possa estar com problemas que irão refletir sem seu comportamento na coletividade. Mas posso falar que, surpreendentemente, não tivemos nenhum grande problema de convívio e até pelo contrário, conseguimos criar e cultivar uma saudável amizade e parceria profissional.


Ressalto ainda que esse tema da convivência parecia ser a principal preocupação da equipe de seleção e preparo psicológico para a Missão. Talvez por experiências anteriores ou até mesmo pela obviedade de alterações de humor e comportamento em ambientes similares. Por exemplo no Big Brother, onde mesmo com toda a mordomia e disputando altas quantias em prêmios os integrantes nem sempre conseguem manter a finesse durante as 24 horas do dia. Num ambiente estressante que é o de uma base militar em solo estrangeiro com a missão de garantir segurança e estabilidade a um país, é muito mais aceitável estarmos mais propícios a qualquer tipo de alteração de natureza comportamental.

Na maioria dos contingentes de outros países é notória a presença feminina, por razões definidas internamente em cada Nação pois, pelo que pude observar, não segue necessariamente uma diretriz imposta pela ONU. Como a colega colocou existem vários pontos positivos para essa participação. Existem atividades de confraternização e comemoração de datas cívicas, por exemplo, quando é normal apresentação de números artísticos folclóricos e se faz evidente o diferencial da presença feminina. Nas recepções de reuniões e eventos é natural que uma mulher esteja na comitiva, sobretudo, para recepcionar e dar uma especial atenção às convidadas civis e militares que se fizerem presentes.

 

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